domingo, 5 de julho de 2009

Mães de São Sebastião pedem socorro

Nas marcas do rosto, a expressão do sofrimento, da dor presa no peito. No olhar, um pedido desesperado de ajuda, tantas vezes pronunciado, mas nunca ouvido. Esses, entre outros, os pontos comuns de um grupo de mulheres que, no fim da tarde de sábado (4/6), se reuniu com a subsecretária de Proteção às Vítimas de Violência, Valéria de Velasco, e sua equipe, em uma sala na Paróquia Nossa Senhora Aparecida, em São Sebastião.

"São mães que morrem junto com os filhos. Mães que são perseguidas junto com seus filhos. Filhos que são viciados em drogas. Que são vítimas das brigas de gangues juvenis. Mães que são vistas como mães de bandidos". Foi assim que Maria Zuína, funcionária da Administração de São Sebastião, descreveu o perfil das mulheres reunidas na pequena sala cedida pela igreja.
Estudante de teologia, Zuína resumiu o desejo da maioria: "Se tivesse um grupo de apoio seria muito bom. As mães, aqui, estão jogadas ao léu".

Para começar o encontro, a subsecretária fez um breve relato sobre a criação do Pró-vítima. O programa, instituído em 15 de abril deste ano, era um dos compromissos do secretário de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania Alírio Neto,engajado no combate à violência em todas as suas formas e expressões. O Pró-vítima, um programa inédito no país, foi criado para fazer um trabalho com as vítimas de violência. São pessoas invisíveis, que ficam fragilizadas, deprimidas, doentes. São famílias que carregam a dor diante da perda de um dos seus entes e ficam sem saber o que fazer. O programa presta assistência jurídica e psicossocial aos familiares e vítimas de violência.

A reunião foi provocada por Ivanilde, moradora de São Sebastião. A violência roubou-lhe três filhos. Hoje, ela é uma ativista da construção de uma cultura de paz. Apesar da dor, que não passa, ela recebe todos com um sorriso nos lábios.

Para quebrar a formalidade e tornar o diálogo mais próximo, as cadeiras foram dispostas em semicírculo. As mulheres começaram a vencer a timidez e a revelar seus dramas. Os depoimentos da maioria das mulheres confirmaram a descrição feita por Zuína, minutos antes do início da reunião.

Para Valéria de Velasco, a realidade de São Sebastião exige ações não só do Pró-vítima, mas também de outros setores do governo. Exige um trabalho profundo com a comunidade e um envolvimento de todos para pacificar os jovens. “Precisamos refletir e ver o que podemos fazer para romper com esse círculo de violência”, diz a subsecretária ao convocar sua equipe para uma reunião em que serão discutidas alternativas para acolher e dar assistência a tantas vítimas de violência identificadas no primeiro encontro.

A seguir, um resumo de uma pequena parte dos depoimentos colhidos. Os nomes usados são fictícios em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente.

“Não quero guerra”
Maria, separada do marido, desempregada, oito filhos – agora, apenas sete – conteve com dificuldades as lágrimas ao relatar a execução do seu filho de 18 anos.O jovem foi morto com três tiros – dois nas pernas e um no peito – quando esperava, em cima de sua bicicleta, o pai retornar da farmácia para lhe entregar dinheiro. Segundo ela, o rapaz foi morto em razão da rivalidade que existe em São Sebastião entre os diferentes setores da cidade, e que originou a formação das gangues juvenis
Em relação aos assassinos de seu filho, Maria diz que não quer fazer nada. “Deus toma conta. Não quero guerra”. Mas ela não chora apenas a morte do filho. Expressa profunda dor ao falar de uma das filhas, que se envolveu com as drogas e vive no Plano Piloto. Não sabe como resgatar a filha perdida. Para Maria, o primeiro passo para recompor sua vida é um emprego. Mas como conquistar esse espaço?

Gravidez precoce
Carmem mora no bairro Centro e vive um drama semelhante ao de outras mães. A filha, 16 anos, engravidou de um adolescente infrator, envolvido com drogas e apreendido em flagrante quando praticava um furto. Maria não pede nada para si. Quer apenas apoio para sua filha.

Distância
Socorro quer assistência psicológica e, mais que isso, distância de dois dos seus três filhos. Os dois jovens mergulharam no mundo das drogas e dilapidaram seu patrimônio e, principalmente, a sua vida. Ela fugiu para o Rio de Janeiro e, em seguida, para o Ceará. Há pouco tempo retornou ao Distrito Federal e comprou uma casinha em São Sebastião. O filho mais velho, vítima dos irmãos, vive em Pernambuco. “O que os olhos não veem e os ouvidos não escutam, o coração não sente. Tudo que quero é distância dos meus filhos”, diz Maria.

Tiroteio
Há cerca de dois meses, um motoqueiro com o rosto encapuzado invadiu uma das ruas de São Sebastião atirando. O alvo eram três jovens. Um deles, 15 anos, foi alvejado e a bala está alojada próxima à medula. O suspeito foi reconhecido. De acordo com o relato das mães, a polícia diz que nada pode fazer por falta de provas. Uma das mulheres decidiu dormir na porta de casa, certa que dessa maneira poderá evitar um novo atentado contra seu filho. A outra, com o filho em cima da cama, tem o mesmo temor. Mas o jovem, ao mesmo tempo em que foi vítima da violência, é também infrator. E sua mãe luta para adiar o cumprimento da pena de ressocialização, a que foi sentenciado. “Ele não pode se levantar da cama, se for para a instituição poderá ficar aleijado para sempre”, diz ela.
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SÃO SEBASTIÃO:
A população de São Sebastião está estimada em mais de 100 mil habitantes e com uma concentração predominantemente jovem, onde 47% (42.000 pessoas) da população tem menos de 20 anos de idade. Destes, 25,45% (10.500) são crianças até 10 anos. Na faixa dos 20 a 30 anos, encontra-se 20% da população. Apenas 3% das pessoas têm mais de 60 anos de idade. 51% são mulheres e 49% homens. A cidade fica a 30Km do centro de Brasília.Fonte: Governo do DF.

Equipe do Pró-vítima, que passou a tarde de sábado (4/6) em São Sebastião: Valéria de Velasco (subsecretária), Poliana Santos (Serviço Social), Kândrea Nascimento e Paola Araújo (Psicologia), Suzi Araújo e Ângela Lima (Núcleo Jurídico), Rosane Garcia (Imprensa) e Adriano Lisboa (Administrativo)

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